BORNITO DE SOUSA É ELEGÍVEL PARA O LUGAR DE VICE-PRESIDENTE DE ANGOLA?
É, com todas as letras. Não é tanto pela letra da
Constituição de 2010 (artigo 145º, que francamente, não acolhe posição diversa, a
contrario sensu). Muito menos pela necessidade de observância de um mínimo de
“bom senso”, como alguns responsáveis políticos da oposição e juristas
independentes estão a arguir, desviando as suas atenções do essencial das
irregularidades que grassam no nosso universo político-partidário e cívico.
Alguém, por ventura, pode esperar por algum bom senso do sistema político
vigente, desde o fim da guerra civil em Angola, em matéria dessa natureza?
Bebendo do próprio veneno que lhes é servido, alguns juristas
retomados por dirigentes políticos da oposição, argumentam, ad hominem,
invocando o acórdão do Tribunal Constitucional, que por maioria dos seus juízes
conselheiros, acabou por incluir, implicitamente, entidades da administração
pública na administração eleitoral, para daí concluírem pela inelegibilidade de
Bornito de Sousa (também do próprio João Lourenço?) já que exerce as funções de
Ministro da Administração do Território, que por lei (Lei 08/15 e Decreto
Presidencial nº 229º/15, inconstitucionais, do meu ponto de vista – v. artigos 6º,
107º e 226º) superintende a parte mais substantiva do registo eleitoral,
matéria que caberia, indubitavelmente, à Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Ora, parece-me, do ponto de vista puramente jurídico, ser esta uma posição que
legitima a posição usurpadora do poder legislativo que o TS tem assumido
ostensiva e sucessivamente, em vários casos de relevância jurídico-política e
institucional.
Com efeito, num estado de direito com práticas sérias, os
tribunais não legislam e, por isso mesmo, a sociedade deve recusar-lhes
esse papel que, infelizmente, em Angola, constitui o seu apanágio,
especialmente por parte do TS, aparentemente (diria, pública e notoriamente),
por algum constrangimento de ordem política, se tivermos em conta a sapiência e
honorabilidade do seu presidente e seus juízes conselheiros. Para não me
estender a enumerar os quantos casos em que tal “papel legislativo” foi
assumido, incluído o presente caso de enquadramento da lei 08/15, em que o
carácter extensivo de interpretação foi amplamente extravasada, deixem-me
apenas referir a escandalosa jurisprudência do TS que retira ao parlamento
angolano o fundamental papel de fiscalização da função executiva, determinando
que este órgão máximo do poder legislativo não possa interpelar membros do executivo
nem constituir comissões de inquérito, sem a autorização do chefe do executivo.
É justamente por isso que estou aqui a defender que invocar este tipo de
jurisprudência acaba por produzir o efeito desejado pelo “sistema”, a saber, ir
aceitando as “leis incompetentes” do TS. Algo que, pela sua perversidade, devia
ser energicamente repudiado pela comunidade de juristas angolanos
independentes, no sentido mais amplo, já que é algo que o resto da sociedade
pode ter dificuldades em entender.
Concluindo, não me parece ser a indicação de Bornito de
Sousa, como o segundo da lista do MPLA, consequentemente, candidato ao posto de
vice-presidente, o problema do resto da comunidade política angolana, fora do
partido da situação. Ele poderia ser o terceiro, o quarto ou que lugar ocupasse
e não seria sanada a questão imediatamente anterior que já foi perdida pela
oposição séria de Angola, no âmbito dos golpes sucessivos que o regime pós
guerra civil lhe tem infringido. Por sua vez, esse problema é remotamente
anterior e consiste no facto da comunidade política angolana (partidos sérios
da oposição e sociedade civil, no geral), em 2010, se ter distraído com os
golos do CAN e outros presentes envenenados oferecidos pelo regime e ter
facilitado que se aprovasse uma constituição em que, num sistema de governo
híper-presidencialista se permitisse que, como simples cabeça de lista de
deputados do partido vencedor das eleições, se apurasse, sem escrutínio
uninominal, um presidente da república (sendo o segundo da lista seu vice) com
as múltiplas funções pessoais de chefe de estado e de governo e significativa
preponderância formal e material sobre o legislativo e o judicial.
De outro modo, só nos resta esperar que o próximo vencedor do
pleito eleitoral de 2017, seja ele do partido da situação (que já não terá como
candidato o artífice do totalitarismo sistémico actual, que por alguma razão,
quiçá plausível, o estabeleceu), seja de algum partido ou coligação da
oposição, entenda que deverá usar de tanto poder nas mãos, para transformar a sociedade,
clarificando a separação dos poderes e a competição transparente, baseados nas
leis que devem ser respeitadas por todos, já que não haverá tempo, mais uma vez
(como se vê), para se estabelecer um pacto nacional pré-eleitoral sério, que
sempre nos recusamos a concluir. Concretamente, não acredito que se combata a
corrupção ou se promova o desenvolvimento, aspectos de que o pré-candidato João
Lourenço do MPLA tem referido, e bem, sem que aquela pré-condição seja reunida.
Não há combate à corrupção com um sistema de justiça amarrado; como não haverá
desenvolvimento sem uma ampla igualdade de oportunidades, num país tão vasto e
rico como o nosso.
Marcolino Moco
Moco Produções
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