AS DUAS REVOLUÇÕES DE SITA VALLES
A sua curta vida apresenta todos os ingredientes de uma tragédia grega. A
militante que se entregou sem rodeios às revoluções portuguesa e angolana foi
devorada por esta última. Pior ainda, o seu nome tornou-se maldito em ambos
países. Nenhum argumento pode justificar que se lhe retire o direito à memória.
Recordemo-la, pois.
Sita Valles viveu duas
revoluções com a intensidade e a entrega que só as convicções muito fortes
podem proporcionar. Em pleno “Verão Quente” de 1975, trocou a portuguesa pela
angolana, porque achava que era no seu país natal que mais falta fazia. As
revoluções, porém, são cruéis, pois frequentemente devoram os seus próprios
filhos. Numa data indeterminada, entre julho e agosto de 1977, Sita foi fuzilada
em Angola por ordem daqueles que pouco tempo antes chamava de “camaradas”.
Tinha apenas 25 anos.
A sua curta vida tem todos os
ingredientes de uma tragédia clássica. Nesta, o herói experimenta uma mudança
de fortuna, passando da felicidade ao infortúnio, e essa reviravolta leva-o à
destruição não por ser vil, mas por cometer algum grave erro. Um erro que se
explica pela dificuldade de enfrentar enigmas cujo duplo sentido fica por
decifrar. Estas características da tragédia grega, estabelecidas por Aristóteles,
estão todas presentes na história de Sita Valles, que tinha nome de deusa hindu
(Sita) mas teve o destino dos filhos de Cronos, devorados pelo pai.
O autor desta reportagem
passou os dois últimos meses a tentar decifrar alguns enigmas na vida de uma
militante que todos concordam em dizer que era determinada, apaixonada,
generosa. Mas para decifrar o enigma Sita é preciso compreender as entranhas do
episódio ocorrido a 27 de Maio de 1977 em Angola. Depois de ouvir o testemunho
de muitas pessoas, ler milhares de páginas de textos e livros, e até localizar
documentos praticamente inéditos, ou pelo menos pouco conhecidos, a minha visão
é diferente da que tinha à partida e, acredito, mais próxima da verdade.
Uma convicção, porém, não foi
abalada. A de que Sita Valles tem direito à memória. Que o seu nome tem de
deixar de ser tabu no partido que ela escolheu para expressar o seu
inconformismo. O mesmo partido que, na “hora H”, não mexeu um dedo para
defendê-la. Passaram-se 40 anos. O modelo de sociedade pelo qual Sita, Nito
Alves e José Van Dunem lutavam, desmoronou com o muro de Berlim. A Guerra Fria
deixou de existir, por mais que os saudosistas tentem hoje recriar, de forma
caricatural, a mesma bipolaridade daqueles tempos. Não há táticas, não há interesses
estratégicos que justifiquem o tabu sobre o nome maldito.
Infância confortável
Sita Maria Valles nasceu em 23
de agosto de 1951 em Cabinda, enclave de Angola situado a norte do território
angolano. Os pais, o engenheiro agrónomo Edgar Francisco e a tradutora e
professora Lúcia, tinham chegado de Goa, recém-casados, em 1949. Edgar
Francisco, funcionário público muito dinâmico, ocupava-se da organização do
território de culturas, do controlo de pragas, de planos de irrigação, deixando
sempre a sua marca por onde passava. Em Cabinda nascera no ano anterior o irmão
mais velho de Sita, Ademar, e o irmão mais novo, Edgar, já nasceria, em 1953,
em Silva Porto (atual Cuíto), na província do Bié, destino seguinte da família
Valles.
O casal e os três filhos
passariam ainda dois anos em Benguela, antes de se estabelecerem em Luanda,
onde foram viver numa moradia situada em pleno parque agrícola dos Serviços de
Agricultura e Florestais, a que os Valles chamavam “a floresta”.
Os irmãos Valles tiveram uma
vida confortável, típica da classe média colonizadora, embora o pai fosse muito
rigoroso e austero. Apesar de morarem perto de um colégio particular
frequentado pelos filhos da elite luandense, os três irmãos Valles cursaram o
ensino público, passando pelo Liceu Salvador Correia, e Ademar e Sita
tornaram-se grandes nadadores no Clube Desportivo Nun’Álvares, situado na ilha
de Luanda.
A ilha, uma estreita língua de
terra com sete quilómetros de comprimento que separa a cidade de Luanda do
Oceano Atlântico, criando a Baía de Luanda, era também o lugar favorito para
frequentar a praia. Já adolescente, Sita passeava no barco do seu primeiro
namorado, acompanhada de amigas, mergulhando no mar ao largo. Era muito bonita,
e no liceu partia os corações dos rapazes.
Universidade de Luanda
No liceu, partia os corações dos rapazes
Terminado o ensino secundário,
chegou a momento de escolher o curso universitário. Ademar optou por engenharia
eletrotécnica, Sita preferiu medicina e Edgar, direito. Os dois primeiros
matricularam-se na Universidade de Angola, que começara a funcionar apenas em
1962; antes disso, quem queria frequentar um curso superior tinha de ir para a
metrópole. O ensino superior angolano nasceu como Estudos Gerais Universitários
de Angola, com cursos nas cidades de Luanda, Nova Lisboa (hoje Huambo) e Sá da
Bandeira (Lubango). Só em 1968 os estudos gerais passaram a Universidade de
Luanda. Nesse mesmo ano, Sita começa a estudar na Faculdade de Medicina. Dizem
as estatísticas que, nesse ano, estavam matriculados nos três pólos da
Universidade 1.252 estudantes, o que mostra bem até que ponto “o acesso ao
ensino superior destinava-se somente a quem integrava as camadas superiores da
hierarquia social”.
Mas, em 1970, o irmão mais
novo Edgar foi para Lisboa estudar Direito (não existia esse curso em Luanda) e
Sita decidiu acompanhá-lo, até porque o colega de curso e namorado José Camisão
já tinha resolvido prosseguir os estudos na metrópole. Foi fácil convencer os
pais, argumentando com a melhor qualidade do ensino em Lisboa. Assim, Sita
Valles chegou a Lisboa no segundo semestre de 1971. Na rapariga de 20 anos,
essa mudança marcaria uma viragem decisiva na vida: a jovem despreocupada,
alegre e namoradeira, transformar-se-ia numa militante irredutível e
apaixonada.
Na luta estudantil
A universidade de Lisboa
fervilhava de atividade política nesses anos. Morto Salazar, já todos tinham
claro que a possibilidade de uma Primavera Marcelista que desbloqueasse a
sociedade portuguesa estava comprometida pela intransigência do presidente do
Conselho em relação à guerra colonial. Um conflito bem presente em todos os
jovens estudantes que tinham a garantia de serem mobilizados se reprovassem na
faculdade ou logo que terminassem o curso.
“Foi um período
extraordinariamente revolucionário, no sentido de que se aproximavam
transformações, não se sabia bem como, mas isso estava no ar, quer pela guerra
colonial, quer pela luta estudantil, pelas liberdades, pelo direito de
associação, pela liberdade de expressão. Estava no ar que qualquer coisa havia
de suceder”, recorda ao Esquerda.net o hoje advogado e
escritor Domingos Lopes. Ele mesmo foi produto dessa situação: a chegada a
Lisboa no mesmo ano que Sita Valles foi motivada pela expulsão da Universidade
de Coimbra – onde fora dirigente da Associação Académica – depois de ter sido
preso.
“O irmão da Sita”
A chegada de Sita foi como um
furacão. O irmão Edgar recorda que entrou de imediato, ao chegar a Lisboa, na
atividade associativa e partidária, esta última na União dos Estudantes
Comunistas (UEC). “Quando a Sita chegou no ano seguinte, para cursar medicina,
ela era a irmã do Edgar. Mas passados três ou quatro meses, eu era o irmão da
Sita!”
A politização da jovem
estudante começara ainda em Luanda, onde chegara a fazer reuniões com um grupo
maoísta. Mas a atividade não passara de grupos de discussão e pouco mais.
Entretanto, conhecera o também estudante de medicina José Manuel Jara, que a
trouxe para a lista que os unitários, o nome da corrente estudantil animada
pela UEC, estava a apresentar para as eleições da direção da Associação da
Faculdade de Medicina. Recorde-se que nesta época as organizações clandestinas
que atuavam no movimento estudantil faziam-no através de correntes que eram
consideradas “semilegais”. Não se podia mencionar, mesmo nas reuniões do
movimento, o nome de partidos clandestinos, sob pena de se ser imediatamente
acusado de “provocador”.
Não se podia mencionar, mesmo nas reuniões do movimento, o nome de partidos
clandestinos, sob pena de se ser imediatamente acusado de “provocador”.
A lista venceu as eleições, e
Sita mergulhou de cabeça na atividade associativa de uma das mais poderosas
associações de estudantes do país, e também na militância político-partidária,
deixando para trás os textos de Mao Tsetung e adotando a União Soviética como o
seu modelo de sociedade.
“A Sita tinha de facto
carisma. Isso via-se nas reuniões de estudantes que se faziam na época. Ela
distinguia-se pela capacidade organizativa e de liderança, e além disso era
bonita. Por tudo isto, dava muito nas vistas”, orgulha-se o irmão Edgar.
Foram tempos de muita agitação
e ação. Os debates políticos faziam-se nos meetings, reuniões
convocadas para debater questões como a guerra colonial, a luta pelas
liberdades democráticas ou mesmo as propostas para derrubar o regime
ditatorial. Algumas palavras-chave eram decisivas para quem queria identificar
as posições ideológicas por trás dos discursos. “Revolução democrática e
nacional”, por exemplo, era o mote do PCP, “Revolução Democrática-Popular” a
proposta dos maoístas, e “Revolução socialista” a dos trotskistas, que só
tinham começado a organizar-se depois da greve estudantil de Coimbra de 1969,
inspirados pelo Maio de 1968 em França.
Anos rebeldes
O maior ativismo, porém, era
na luta contra o salazarismo-marcelismo dentro das Universidades. E o ano de
1972 foi particularmente agitado: exames em Direito boicotados, greves na
Faculdade de Agronomia e no Instituto Comercial, encerramento da associação de
estudantes de Direito e da Pró-Associação de Letras, boicote aos exames no
Instituto Superior Técnico, que acabou fechado e cercado pela polícia. Em maio,
uma concentração no Técnico foi reprimida por cerca de 200 polícias de choque
com metralhadoras e cães, e a polícia invadiu Económicas onde se realizava uma
reunião de estudantes para decidir o que fazer. Fechadas também as associações
do Técnico e de Económicas, a de Medicina permaneceu com um dos baluartes.
Foi também o ano da introdução
dos “gorilas” nas Faculdades, contínuos-vigilantes antigos pára-quedistas,
fuzileiros navais, comandos, ‘pides’, todos corpulentos tipo ‘três metros de
altura por um de largura’ e com a função exclusiva de policiar a faculdade.
Funeral de Ribeiro Santos
E foi sobretudo o ano do
assassinato do estudante José António Ribeiro dos Santos, militante do MRPP, em
Económicas, por um agente da Pide, que marcaria o movimento estudantil até o 25
de abril.
No meio desta agitação, Sita
Valles firmou-se como dirigente associativa e política.
“Era uma pessoa brilhante, apaixonada,
convicta das suas ideias. Era uma dirigente incontornável para todos os
estudantes do movimento estudantil. Era uma dirigente capaz, conhecedora dos
temas, corajosa, que se entregava à causa em que acreditava e lutava por ela”,
afirma Domingos Lopes, que conviveu com ela cerca de quatro anos.
Já em 1973, nas idas e vindas
das mobilizações estudantis, chegou a vez de a Polícia invadir a associação da
Faculdade de Medicina, e a sua “secção de folhas”, uma enorme tipografia
responsável por imprimir as “sebentas”, isto é, os apontamentos que os docentes
distribuíam aos seus alunos. Quando a polícia chegou, de noite, um estudante
barricou-se no interior e enquanto os polícias eram forçados a abrir a porta
blindada com um maçarico, o jovem queimava todo o material clandestino que se
encontrava no interior. Em represália, a polícia não encontrou melhor coisa a
fazer do que emparedar, com tijolos e cimento, o acesso à associação.
"A Sita era mesmo assim, não fugia nos momentos difíceis, pelo
contrário, onde era difícil, onde era arriscado, lá estava ela", recorda
João Semedo.
O médico João Semedo – hoje
dirigente do Bloco de Esquerda, depois de 31 anos de militância no PCP –
recorda bem esse episódio. Ele era colega da Sita na Faculdade de Medicina e
também fazia parte da direção da AE: “Tínhamos convocado uma RGA e a ideia era
deitar abaixo o muro que a polícia levantara. A Sita andava a ser seguida pela
PIDE mas apesar disso insistiu em participar na RGA. A Sita era mesmo assim,
não fugia nos momentos difíceis, pelo contrário, onde era difícil, onde era
arriscado, lá estava ela. E assim foi, lembro-me porque nesse dia calhou-me a
mim ajudá-la a entrar no hospital sem que a polícia nos barrasse a passagem. Ao
lado da Sita, tudo parecia possível e até seguro. E foi mesmo.”
Este episódio – que foi
testemunhado também pelo autor desta reportagem, então estudante do secundário
– está bem vivo na memória da hoje professora do ensino secundário Eugénia
Varela Gomes: “Já não me lembro de onde apareceram as picaretas. Talvez tenham
vindo de uma obra ali perto. Aquela parede foi posta abaixo e o que é certo é
que a associação ficou aberta. Até o 25 de abril nunca mais voltaram a
fechá-la.”
Maria Eugénia, na época
dirigente da UEC, responsável pelo trabalho político no ensino secundário, e
hoje ainda militante do PCP, ressalva a pouca importância que Sita Valles dava
aos cuidados conspiratórios, algo que “certamente lhe fez falta, depois, em
Angola”. “Ela, mais que audaciosa, era temerária”, diz Maria Eugénia, “não ligava
para esses pormenores”. Eugénia recorda uma ocasião em que Sita, João Franklin
e ela própria fizeram uma intervenção na faculdade de medicina que funcionava
no Instituto de Medicina Tropical. “Fomos lá, falámos aos estudantes e saímos
no carro da Sita, a única de nós que tinha um”. Mas a Polícia fora chamada e
esperava-os. Obrigou os três jovens a irem para a esquadra de Alcântara, “com o
pretexto de que quem ia a conduzir não era a dona do carro, que ia ao lado; o
João Franklin, que ia ao volante, tinha carta de condução mas não dispunha de
um documento assinado pela dona a autorizá-lo a conduzir!” Ao chegarem, a
primeira coisa que a PSP fez foi revistar o veículo. “E o porta-bagagens estava
carregado de livros do Congresso da Oposição Democrática. Ficámos logo ali.”
Capa da lista
onde concorria Sita Valles à direção da Associação de Estudantes de Medicina,
ano 72/73
Algo muito parecido já
acontecera antes: o carro do namorado de Sita estava repleto de Avantes sem
que a cunhada, Ana Simões, que lhe pedira o carro emprestado, soubesse. Mas
quando foi devolver o carro, Sita dirigiu-se ao porta-bagagens, para tirar o
material e foi nesse momento que um pide que a seguia interveio. Ainda
conseguiu escapulir-se, mas a Ana Simões, que estava dentro do carro, não foi a
tempo. Foi presa.
Primeira revolução
Há coincidências difíceis de
acreditar. Onde estava Sita Valles no 25 de Abril? Em Moscovo. Tinha sido
enviada por Zita Seabra, que, segundo a biógrafa de Sita, Leonor Figueiredo,
raciocinou desta forma: “Era de longe o melhor quadro e merecia ir” representar
a UEC ao congresso das juventudes comunistas, o Komsomol. Por outro
lado, Zita sabia que a viagem a “queimava” diante da Pide. Mas “queimada” já
ela estava. Queimada por queimada, dava-lhe essa alegria. A contrapartida,
porém, seria a despromoção por razões de segurança: deixaria de “controlar” a
Cidade Universitária.
Mas com o 25 de Abril, não só
não houve despromoção, como o comprometimento de Sita aumentou: passou a
dedicar-se à atividade partidária a tempo inteiro, tornando-se funcionária do
partido. A temeridade de estar sempre a testar os limites da segurança ficara
para trás. A Pide estava desmantelada, as Forças Armadas em polvorosa e o
secretário-geral do PCP era ministro sem pasta do governo provisório. A luta
agora era outra.
Maria da Graça Marques Pinto,
a Magaça, saiu nessa altura da clandestinidade, para onde tinha se recolhido em
fevereiro de 1973. Presa em 71 num grupo de sete onde estava também o escritor
Mário de Carvalho, foi acusada de ser da organização estudantil do PCP.
Libertada no final do ano, ainda chegou a frequentar a faculdade de Direito,
mas foi forçada a esconder-se. “Por isso, só conheci a Sita quando saí do
aparelho clandestino.” As duas faziam parte da executiva da UEC, e nessa altura
Sita Valles já era responsável por todo o trabalho político no Ensino Superior.
“A Sita era muito apaixonada
pelo que fazia, determinada, voluntariosa. Mas muito obediente, passe a
expressão, às orientações partidárias. Tinha uma grande empatia com as pessoas
com quem lidava”, assevera Maria da Graça, hoje professora em Viseu e militante
do Bloco de Esquerda.
“Era muito humana, de um dinamismo fantástico, era difícil recusar qualquer
atividade que ela nos propusesse."
Testemunha dessa empatia
dá-nos Fernanda Marques Pinto, irmã de Magaça, na altura militante de base da
UEC e da célula dos estudantes do Serviço Cívico. “A Sita era a nossa
controleira, com quem estávamos duas ou três vezes por semana.” Passados mais
de 40 anos, ainda se nota o tom entusiasmado quando a hoje professora reformada
e ativista ambiental no Alentejo fala de Sita Valles. “Era muito humana, de um
dinamismo fantástico, era difícil recusar qualquer atividade que ela nos
propusesse. De facto, ela tinha uma proximidade connosco que não encontrei em
mais ninguém da UEC com quem tivesse trabalhado na altura.” O grupo dos
“cívicos” ficou muito unido e os seus integrantes andavam sempre juntos e
sempre prontos para qualquer atividade do partido. “De tal forma que uma vez a
Zita Seabra nos criticou – e à Sita – por formarmos um grupo à parte nas
atividades gerais.”
Para Fernanda Marques Pinto, a
Sita era uma congregadora de esforços: “conseguia que abraçássemos as causas e
estivéssemos sempre prontos para fazer tudo. Quando reunia connosco e explicava
o sentido que o PCP dava à revolução, nós entendíamos, porque utilizava uma
linguagem muito fácil e respondia às questões que a gente punha, ao contrário
de muitos controleiros que fui apanhando, que, de facto, recusavam o diálogo.”
À procura da segunda revolução
Um dia, porém, com a mesma
teimosia com que abraçara a causa do PCP em Portugal, Sita Valles decidiu
regressar a Angola. Estranha opção: ainda se vivia a revolução portuguesa em
pleno, o “Verão Quente” estava a começar... sair de Portugal porquê?
“Ela estava muito preocupada
com os ecos de corrupção que chegavam de lá”, arrisca Maria da Graça Marques
Pinto. “Eu julgo que o motivo seria esse”.
“Estas circunstâncias são
indecifráveis a não ser para o portador do dilema: ‘para que lado bate o meu
coração’? E entre a Luanda, onde nascera e vivera durante 20 anos, e Lisboa,
ela escolheu Angola”, opina Domingos Lopes.
Para o irmão, Edgar Valles,
porém, a decisão teve um fundamento mais pragmático: “Quando ocorreram as
eleições [do 25 de Abril de 1975] para a Assembleia Constituinte, o PCP tinha a
ideia de que iria ter uma grande votação. E o resultado foi uma enorme
desilusão”, recorda. O PCP ficou em terceiro lugar, com 13% dos votos. “A Sita
convenceu-se de que em Portugal não havia nada a fazer. Que a revolução estava
comprometida. E deixou-se iludir por Angola”.
Eugénia Varela Gomes dá mais
pistas:
“A decisão de ir para Angola
em pleno PREC não foi tomada só pela Sita, quase todos os estudantes angolanos
e moçambicanos decidiram fazer o mesmo. Em Medicina havia muitos, a Sita, a
Joana Campina, o João Franklin… em Direito o Sérgio Costa”. O próprio Edgar
Valles também voltaria mais tarde, acompanhado da mulher.
A decisão não foi saudada pela
direção partidária. Zita Seabra fez todos os esforços para fazê-la mudar de
ideias. Pediu a Carlos Brito para lhe falar. Como última cartada, promoveu uma
reunião com o secretário-geral. Álvaro Cunhal desaconselhou igualmente a
viagem. E esclareceu que, se fosse, tinha de sair do PCP.
Mas onde fica o
internacionalismo? Não seria normal uma militante internacionalista usar os
seus esforços e a sua experiência para contribuir com a luta do MPLA, um
partido irmão? Ainda para mais, sendo ela própria angolana?
“Era garantido: se ia para Angola, saía do partido. Porque ia para outro
país, e Angola estava também num processo conturbado.
Não era, porém, esse o
raciocínio que os dois partidos faziam. “Era garantido: se ia para Angola, saía
do partido. Porque ia para outro país, e Angola, como tu sabes, estava também
num processo conturbado. Penso que as relações do PCP com o MPLA nunca foram
muito próximas, muito boas, e por isso para o partido era mesmo uma questão de
separar águas, não haver confusões”, esclarece Eugénia Varela Gomes.
Mas, neste caso, não seria uma
forma encoberta de o PCP influir no MPLA? Não, garante Domingos Lopes. “Se o
Álvaro Cunhal pensava que era um partido irmão, não fazia sentido mandar alguém
para construir um partido, ou infiltrar-se no partido irmão. O Álvaro Cunhal
tinha muita estima pelo Agostinho Neto. Havia setores do MPLA que podiam
desconfiar. Mas não estou a ver o Álvaro Cunhal a querer infiltrar-se no MPLA”,
conclui.
João Semedo recorda com
melancolia a partida da camarada. “No meio da agitação em que todos vivíamos,
na intensidade dos dias do PREC, a notícia que a Sita ia regressar a Angola foi
circulando, foi-se espalhando, deixando um rasto de tristeza e frustração entre
nós, embora todos soubéssemos que a Sita não era pessoa para resistir ao apelo
revolucionário que vinha de Angola. Para ela, esse apelo era mais forte do que
tudo, a sua partida era a mais natural das suas escolhas.”
Sita Valles chegou a Luanda em
julho de 1975, quando estava ao rubro a batalha de Luanda, que terminaria com a
vitória do MPLA e a expulsão de UNITA e FNLA da capital angolana. A decisão de
procurar a segunda revolução ser-lhe-ia fatal. Mas isso ela não sabia. Pelo
contrário, podemos imaginar a esperança, o entusiasmo (e a ilusão) que levava
consigo ao desembarcar no país que era o seu.
A grande ilusão
“Olhando para trás, ela não
devia ter ido para lá”, opina o irmão. Mas não era o apelo da sua terra que
falava mais alto? Ela não se sentia angolana? “Nós naquela altura tínhamos o
sentimento do internacionalismo proletário”, atalha Edgar Valles. “Hoje,
olhando para trás, vemos que, quer se queira quer não, os africanos encaram os
não africanos de outra forma. Encaram-nos quase como, no tempo dos Filipes, os
portugueses encaravam os espanhóis. Acho que aquilo tudo foi uma grande
ilusão”, lamenta.
Mas Sita e Edgar, apesar de
não parecerem, eram africanos. Tinham nascido em Cabinda e Cuíto, Angola.
Porém, não eram negros. Eram, por isso, vistos como portugueses? Pelo menos é
isso que se retira de um episódio que ocorreria mais à frente. Mas não nos
antecipemos.
Sita Valles desembarca em
Luanda e em breve faz valer a sua experiência de organizadora, adquirida no
PCP. É desafiada por Nito Alves que, por essa altura, era uma estrela em
ascensão no MPLA, para dinamizar o Comité de Ação dos Intelectuais
Revolucionários, que organizava os professores e intelectuais, os alunos do
secundário e das universidades. O Comité, por seu lado, fazia parte do
Departamento de Organização de Massas (DOM).
“Quando chega o 25 de Abril”,
recorda Edgar Valles, “o MPLA estava de rastos, do ponto de vista militar,
diferente do PAIGC e da FRELIMO. Mas entre os jovens estudantes e trabalhadores
de Luanda, fica com uma pujança enorme.” Organizativamente, porém, tinham
muitas debilidades. “De maneira que a Sita, nesse aspecto, ajudou muito, porque
vinha também com a experiência de Portugal.”
Nito Alves, o homem que viria
a ser acusado de “fraccionismo” ao serviço dos inimigos de Angola, era naquela
altura um dos mais dinâmicos dirigentes recém-eleitos para o Comité Central do
MPLA. Agostinho Neto promovera-o depois do papel importante que desempenhara no
Primeiro Congresso do MPLA, realizado em Lusaka em agosto de 1974, um congresso
que não chegou a terminar. A facção de Agostinho Neto simplesmente
abandonara-o, por não ter maioria. A Revolta Ativa fora a segunda corrente a
ir-se embora, deixando apenas os militantes ligados a Chipenda. Este ainda
tinha ensaiado proclamar-se presidente do MPLA, mas acabara por desistir, por
falta de apoios internacionais, e entrara na FNLA. Desta forma, quase quatro
meses depois do 25 de Abril, num momento em que o MPLA vivia o seu melhor
momento em termos de adesão de base, a sua estrutura de quadros encontrava-se
totalmente dividida. Milhares de simpatizantes do MPLA organizavam comités de
ação em Luanda e outras cidades, mas a direção no exterior engalfinhava-se em
duros confrontos.
Num momento em que o MPLA vivia o seu melhor momento em termos de adesão de
base, a sua estrutura de quadros encontrava-se totalmente dividida.
Nito Alves aparecera de
surpresa no congresso, representando a Primeira Região Militar, a que ficava
perto de Luanda e se mantivera anos isolada do resto da estrutura do MPLA; mas
mesmo em circunstâncias precárias, nunca deixara de combater e de resistir às
tropas coloniais. Ao discursar no Congresso, o guerrilheiro chegado da mata
surpreendeu pela acutilância da oratória e pela violência com que atacou
Revolta do Leste e Revolta Ativa, colocando-se ao lado de Agostinho Neto.
Neto em troca promovera-o para
o Comité Central (CC) na Conferência Inter-Regional, organizada no mês seguinte
e a primeira em território de Angola, em Lindoje, distrito de Moxico. Apesar do
nome, esse seria o verdadeiro congresso do MPLA. Para o novo CC entrara também
outro militante, José Van Dunem, o mais jovem daquele organismo. Se Nito vinha
da mata, Van Dunem vinha da prisão, onde fora confinado em 1971 até o 25 de
Abril por, tendo feito o serviço militar nas tropas coloniais portuguesas,
passar informações ao MPLA.
Angola independente
Na declaração da
Independência, em 11 de novembro de 1975, Sita Valles já compareceu ao lado de
José Van Dunem, com quem se casaria e teria o único filho, João Ernesto, o Che.
Sita com o filho João Ernesto, o "Che".
No primeiro governo da
República Popular de Angola, Nito Alves foi nomeado ministro da Administração
Interna (cujas competências eram os assuntos de administração
do território, não tendo a supervisão das polícias e da segurança, como
acontece em Portugal). A sua prioridade passou a ser a organização do poder
popular que se disseminara através da auto-organização de estudantes e
trabalhadores por todo o país, mas principalmente em Luanda.
José Van Dunem foi nomeado
Comissário Político das Forças Armadas Populares de Angola (Fapla).
Nito Alves estava como peixe
na água entre o povo. Era um orador eloquente, capaz de comunicar e
empolgar. O contraste com Agostinho Neto era chocante.
“A imagem que as pessoas têm
do Agostinho Neto é a de um homem muito passivo. Quando começava a falar,
parecia que já tinha morrido. Cansado” opina Edgar Valles. Em contrapartida, “o Nito era uma bomba. Arrebatava.”
Nito tinha de instrução
apenas a quarta classe, mas era um autodidata. Mesmo ministro, matriculara-se
na Faculdade de Economia e ia às aulas, estudava. Durante os tempos
na mata, conhecera o marxismo pela única fonte de que dispunha, “Os
Fundamentos do marxismo-leninismo” de F. V. Konstantinov. Isto é, aprendera os
rudimentos do marxismo por uma vulgata com mais semelhança a um
catecismo do que aos escritos de Karl Marx e de Lenine. E
gostava muito de fazer citações a torto e a direito. Mas queria aprender e,
agora saído da mata, tinha ânsia de leitura.
Sita Valles estava no 5º ano
de medicina e militava no grupo de ação, uma espécie de célula do MPLA. Foi lá
que encontrou José Reis, hoje bancário reformado em Lisboa, então
estudante também de medicina, do 2º ano. Os dois tinham-se conhecido
ainda em Lisboa, onde José Reis fora, aproveitando uma licença graciosa da
mãe – todos os funcionários públicos portugueses em Angola tinham direito a
essa licença de quatro em quatro anos. Depois reviram-se muitas
vezes em Angola. “A Sita Valles foi indigitada pelo Nito Alves para
organizar o setor da educação e intelectuais. O trabalho que ela fez foi à luz
dos estatutos do MPLA, com autorização, não foi um trabalho à parte,
‘fraccionista’. Criava os grupos de ação, a estrutura-base do movimento MPLA,
mas uma estrutura já com feições partidárias”, recorda José Reis, que
foi preso logo a seguir ao 27 de maio, escapando por um triz à morte e sendo
libertado ao fim de quase três anos de prisão e trabalhos forçados.
É nessa época que Nito Alves
discursa contra os “esquerdistas”, chamando à sua delação. Os “esquerdistas”
eram os militantes e ativistas dos Comités Amílcar Cabral, os Cac’s, com
muita influência na base estudantil e trabalhadora, que viriam a formar a OCA,
Organização Comunista de Angola, de tendência maoista. Tanto os ativistas
da Revolta Ativa que voltavam a Angola quanto os militantes da OCA começaram a
ser presos.
Na opinião de Jorge Fernandes,
hoje engenheiro civil em Oeiras, Nito Alves foi duas vezes usado por Agostinho
Neto: “a primeira foi no Congresso de Lusaka, para combater a Revolta
Ativa e a fração Chipenda; a segunda foi já pós-independência, sendo
o ‘miúdo’ do Neto”. Sempre que queria desmantelar as outras organizações
ou comités, utilizava o Nito Alves para transmitir à população as suas decisões, garante.
“Nunca era o Agostinho Neto a transmitir as grandes decisões de
combater a oposição ao MPLA. Era o Nito Alves que o fazia, embora ele, nos
discursos, sempre dissesse que estava a transmitir as diretrizes do
Bureau Político. E a seguir chamava a combater os ‘intelectuais burgueses’ da
Revolta Ativa, ou os maoistas, a OCA, etc. E às vezes excedia-se e apelava até
à delação”, reconhece Jorge Fernandes, igualmente um sobrevivente do 27 de
maio, tendo ficado dois anos e meio na prisão e num campo de trabalhos
forçados. “Essa parte suja era o Nito que fazia, o Neto aproveitava o ‘miúdo’
para isso. E, claro, depois vinha a polícia, do Ministério da Segurança, e
prendia-os.”
No final de fevereiro de 1976,
realizou-se em Moscovo o XXV Congresso do Partido Comunista da União Soviética, e
o MPLA enviou uma delegação composta por Nito Alves e José Van Dunem. Nito
voltou impressionado com o que vira, falando sobre “o milagre da URSS”.
A luta contra o “fraccionismo”
Quando é que Agostinho Neto começou
a pensar que a “bola da vez” seria o próprio Nito Alves? Quando começou o
presidente de Angola a preparar-se para acusar Nito e os seus companheiros de
“fraccionismo”?
Um documento dos arquivos de
Cuba recentemente tornado público mostra-nos que apenas sete meses depois da
independência, em julho de 1976, Neto já dizia que Nito tendia a
“criar uma fração dentro do MPLA”, afirmava não saber se “Nito é uma
pessoa recuperável”, e acusava-o de se ter rodeado de “pessoas que se dizem
membros do Partido Comunista de Portugal, mas que na verdade são pessoas que
nunca fizeram nada pela revolução no seu país.” A referência a Sita Valles
parece mais que evidente.
Na mesma conversa, Agostinho Neto
afirma ter posto Nito sob vigilância. (Veja, neste dossier, o artigo “Neto mandou vigiar Nito 10 meses antes do 27 de Maio”). Mas as medidas
contra a corrente que seguia Nito já haviam começado antes, em março
de 1976.
A primeira fora despromover
José Van Dunem, que deixou de ser o Comissário Político nacional das FAPLA para
ocupar o posto de Comissário Político da Frente Leste, longe de Luanda.
A segunda medida atingira diretamente
Sita Valles. É José Reis que relata o episódio: “A Sita tinha de pagar as
favas, portanto foi expulsa, primeiro, por ser portuguesa. Mas
enganaram-se, porque ela não era portuguesa, nasceu em Cabinda, portanto o
pretexto não serviu. Então deram a volta e resolveram expulsar todos os
militantes do MPLA que tinham militado noutros partidos.” Edgar
Valles enfatiza: “Nem era uma questão de estarem a militar noutras
organizações, no presente; era que já tivessem militado. E
só aplicaram isso à Sita. Também não se referiam a outras
organizações que fossem hostis ao MPLA. Não podia ter militado em qualquer
organização.” E acusa: “havia aqui pessoas que tinham militado no MRPP e que
continuaram no MPLA. Foi uma atitude completamente orientada à Sita”.
No Huambo
Foi por essa altura que Sita
Valles foi enviada para o Huambo, num grupo de estudantes de medicina quase
finalistas que foram dar apoio à primeira equipa de médicos cubanos chegada a
Angola. José Reis participou nessa missão, apesar de ser do 2º ano de medicina,
com funções políticas e por ser natural do Huambo, conhecendo assim a região
muito bem.
“Ficámos lá um mês, depois fui
para o Bié. Nesse mês tive oportunidade de viver perto da Sita. Vivemos na
mesma casa, tomávamos o pequeno-almoço juntos, almoçávamos juntos, e isso foi
muito agradável, porque conheci-lhe a outra face. A Sita generosa.” E dá um
exemplo: “enquanto trabalhadores da medicina, tínhamos como missão pôr o
hospital a funcionar independentemente dos doentes que lá estavam terem sido da
Unita, ou do quer que fosse. Eram seres humanos que precisavam ser cuidados.
Foi a primeira vez que eu vi a Sita atuar.” Ambos fizeram uma revista às
enfermarias para retirar, a todos os doentes acamados, tudo o que pudesse
identificá-los como militares: “um cinturão, umas botas, uma camisa militar
escondida debaixo da cama. Por quê? Porque quando a DISA (polícia política)
passasse, essa gente ia dali para o cemitério. Se isto é um gesto patriótico,
não sei, mas é um gesto humano.”
No contacto do dia a dia, José
Reis pôde perceber que “aquela agressividade, aquela pujança que ela tinha na
luta política, depois no recato mudava para uma meiguice, uma doçura incrível.”
José Reis recorda ter conhecido José Van Dunem nessa altura: “quando ele foi
nomeado para o Leste passou lá por casa. Acho que o vi mais uma ou duas vezes
na vida.”
José Reis recorda ainda outro
episódio que evoca a tal temeridade de Sita Valles nos tempos da ditadura: “Na
casa onde vivíamos no Huambo éramos quatro, e íamos comer a um hotel na baixa.
Uma noite, chegamos a casa e sentimos que havia gente dentro. A casa estava a
ser assaltada – por militares das Fapla, claro, já não havia Unita ali. Era
extremamente perigoso, porque nós os quatro éramos brancos e eles estavam
armados. E a Sita correu com eles quase a pontapé. Arrancou por ali fora, nós a
dizer aos berros ‘sai daí, está quieta!’, mas ela foi fazer comício para o
quintal. Chamou-os, deu-lhes um raspanete enorme, disse que aquilo não era
maneira de se portarem como militares das Fapla. E os tipos meteram o rabo
entre as pernas e foram-se embora em vez de lhe dar dois tiros, como podia ter
acontecido.”
Um terceiro episódio recordado
por José Reis teve a ver com descoberta dos cadáveres de um membro do Comité
Central do MPLA e de outros militantes, um dos quais fora colega de escola de
Reis, Fadário Faustino Muteca, todos mortos pela Unita. “Houve um funeral
nacional, e de Luanda vieram o Lara, o Nito, o Ndunduma [Costa Andrade, diretor
do Jornal de Angola]. Nós fizemos a nossa campanha no hospital:
pintámos cartazes e faixas, convocámos os trabalhadores para estarem presentes
no minuto de silêncio que se fez. Eu e a Sita hasteámos a bandeira da República
Popular de Angola pela primeira vez no hospital, com os cubanos a protestarem
porque não sabíamos como se tratava uma bandeira. Eu deixei-a cair no chão para
atar uma das pontas, e os cubanos em pânico, que a bandeira nunca podia tocar o
chão. Há uma fotografia, mas não se reconhecem as pessoas. Ela está de bata, eu
estou com a minha velha t-shirt, os dois a içar a bandeira. É claro que toda
essa documentação que afixávamos nos corredores, quando virávamos as costas,
desaparecia. Porque os funcionários todos do hospital eram da Unita. Mas a Sita não se importava: punha outros cartazes outra vez.”
As “lagartixas fraccionistas”
A guerra aberta de Agostinho
Neto contra Nito e Van Dunem foi despoletada na 3ª Reunião Plenária do Comité
Central do MPLA, nos dias 23 a 29 de outubro de 1976. Ambos são acusados
formalmente de “fraccionismo”. Por proposta de Van Dunem, foi então formada uma
comissão de inquérito, sob a presidência de José Eduardo dos Santos, para
investigar a existência de fraccionismo no interior do MPLA. Mas as medidas
contra os “nitistas” não esperaram pelo inquérito. A mais importante de todas
foi a extinção do Ministério da Administração Interna, o que significava
afastar Nito Alves do governo e retirar-lhe o poder de que dispunha. Foi
decidido igualmente fechar o jornal Diário de Luanda e o
programa radiofónico Kudibanguela, que seguiam a orientação
“nitista”.
A acusação de “fracionismo”
contra os dois dirigentes não foi tornada pública, mas um documento aprovado na
reunião, “Resolução sobre a unidade no seio do MPLA”, conclamava os militantes
a agirem contra as “correntes desagregadoras”: “Tendo considerado a ação
perniciosa de sectores ligados à reação interna e externa, e grupos
esquerdistas que tentam, alimentando correntes desagregadoras e utilizando o
nome de Dirigentes, provocar a confusão ideológica, perturbar a coesão das
estruturas do Movimento e dividir os militantes, decide […] condenar
energicamente esses atos; [...] exortar os Militantes do MPLA para que, sob a
direção incontestável do camarada Presidente, combatam o divisionismo, o
sectarismo e o oportunismo […] sancionar com firmeza todos os membros do MPLA
que contribuam para a divulgação de noticias tendenciosas que atentem contra a
unidade no seio do MPLA”.
A partir dessa data, o tom da
campanha contra os “fraccionistas” não parou de subir.
“Estava convencida de que a coisa lhes ia correr bem”
Cerca de um mês depois, em
novembro de 1976, Eugénia Varela Gomes, de visita aos pais, voltou a encontrar
Sita Valles em Luanda. “A Sita sabia que
eu vinha e passou lá na casa dos meus pais, ficou um bocadinho.
Estava com a impetuosidade, o entusiasmo do costume, e estava convencida de que
a coisa lhes ia correr bem. Disse até esperar o apoio dos cubanos”,
recorda. Mas o que seria exatamente correr bem? “Era afastarem da direção
do MPLA aqueles que, na opinião deles, não estavam pela verdadeira revolução e
independência. Era muito clara a opinião deles que quem estava na direção do
MPLA, a começar pelo Agostinho Neto, não estava interessado em criar o
socialismo em Angola”, explica Eugénia, insistindo que a opinião que
ouviu em relação ao presidente de Angola não era de grande
apreço, tanto da parte da Sita quanto dos pais.
João Varela Gomes fora para
Angola com a ideia de poder lutar nas Fapla pela independência. “Mas nunca
conseguiu. Nunca. Foi sempre mais ou menos colocado na prateleira. Isso
aconteceu com praticamente todos os militares que foram para lá. Houve sempre
desconfiança em relação aos portugueses, sempre.” Eugénia lembra-se de ouvir a
mãe falar que “a coisa estava muito complicada, que a campanha era muito
grande, que a Sita estava em perigo, e que se ela aparecesse lá em casa a pedir
ajuda, eles dariam sem hesitar.”
A sorte de João Varela Gomes
(ou o instinto dado pela experiência, seria melhor dizer) fez com que se
antecipasse e negociasse a ida para Moçambique antes do 27 de maio. “Como o meu
pai se sentia inútil em Angola, começou a tratar das coisas para ir para
Moçambique, onde estava o Ramiro Correia, que era muito amigo dele e que estava
a ser útil. E os de Moçambique vieram buscá-lo. Se não tivessem vindo, se calhar
não tinha saído.” O casal Varela Gomes ainda estava em Angola quando ocorreu o
27 de Maio, mas os moçambicanos vieram buscá-lo dias depois.
Mas retomemos o fio à meada
dos acontecimentos. Em fevereiro de 1977, Nito Alves começou a distribuir as
suas “13 Teses em Minha Defesa”, argumentando que o tempo para que a comissão
de inquérito sobre o fraccionismo no MPLA chegasse a alguma conclusão estava a
chegar ao fim sem que ele próprio tivesse sido ouvido, e por isso, ele próprio
assumia a sua defesa. As 13 teses são esse documento de defesa – e também de
contra-ataque. O autor anuncia que o seu objetivo é denunciar, desmascarar e
combater energicamente a natureza reacionária da aliança de direita e dos
maoístas no seio do MPLA, aliança que, segundo ele, representaria uma séria e
verdadeira ameaça ao desenvolvimento do nosso processo revolucionário e um
ótimo serviço às forças do imperialismo mundial. E passa ao contra-ataque:
acusa alguns dos mais destacados dirigentes do MPLA de serem os verdadeiros
fraccionistas, de serem elitistas, paternalistas e dirigistas, de sanearem
sistematicamente militantes de esquerda, de truncarem e substituírem
deliberações tomadas. E a acusação mais grave: afirma que o Bureau Político
estava infiltrado pela CIA, na pessoa de um militar e que o Ministério da
Defesa era uma central do tráfico de diamantes.
Em 20 e 21 de maio, o Comité
Central expulsa do organismo Nito Alves e José Van Dunem. No próprio dia 21,
Agostinho Neto preside uma assembleia de militantes na Cidadela Desportiva, em
Luanda, onde anuncia a decisão do Comité Central, defende os dirigentes
atacados por Nito Alves, particularmente Lúcio Lara, e conclama a uma
verdadeira “caçada” aos nitistas.
“Disseram-me que o Nito e o Zé foram avisados por alguém da DISA que havia um
plano para os assassinar na rua. O aviso foi uns dias antes do 27 de maio.
No dia seguinte, o Jornal
de Angola informa a decisão com uma manchete a toda a largura da
primeira página: “Liquidar o fraccionismo!” O editorial dessa edição afirmava:
“Saberemos dizer e demonstrar que o fraccionismo não passará, vindo que seja de
qualquer horizonte.”
Mas será que nem nessa altura
Sita Valles se deu conta do perigo que corria? Diz Edgar Valles: “Disseram-me
que o Nito e o Zé foram avisados por alguém da DISA que havia um plano para os
assassinar na rua. O aviso foi uns dias antes do 27 de maio. A interpretação
que eu faço, pondo as pedras no puzzle, é que eles concluíram uns dias antes
que de facto iam ser eliminados fisicamente. E acharam que deviam pôr a
população na rua.”
Onde estava Sita no 27 de Maio?
Onde estaria Sita Valles na
madrugada do 27 de Maio? Em casa, alheia aos acontecimentos? Por tudo o que
dissemos antes, essa parece uma impossibilidade. Num posto de comando do
“golpe”? No bairro de Sambizanga, ao lado do companheiro, a mobilizar o povo
para se manifestar contra a corrupção no governo e a favor de Nito e Van Dunem?
Noutro lado?
Provavelmente, nunca
saberemos. Aliás, o que aconteceu no 27 de Maio? Um golpe de Estado fracassado,
como afirmou posteriormente o governo e a DISA? Uma sublevação desarmada que
teria obtido os resultados esperados pelos seus promotores se não tivesse
ocorrido a intervenção dos cubanos?
A discussão existe há 40 anos,
e as respostas estão em pelo menos dois documentos fechados no Arquivo de Cuba.
Trata-se de ‘‘Síntesis sobre nuestra participación en los sucesos del
27.5.77 en la República Popular de Angola”, do coronel Jesús Bermúdez
Cutiño, de 31 de maio, e um memorando de Jorge Risquet (o chefe da missão civil
cubana em Angola) a Fidel Castro datado do próprio dia 27 de maio. Ambos são
mencionados pelo professor de Relações Internacionais Piero Gleijeses, do Paul
H. Nitze School of Advanced International Studies dos Estados Unidos, mas não
foram até hoje tornados públicos.
O que houve, objetivamente
foram algumas, poucas, ações militares e uma manifestação popular desarmada.
Durante a madrugada houve ações de pequenos grupos armados de “nitistas” para
prender membros do governo ou chefes da DISA. Há pelo menos um testemunho do
ataque ao apartamento de um membro da DISA particularmente odiado, Carlos
Jorge, que aliás falhou porque ele não dormira em casa, e a mulher, militar das
Fapla, respondeu a tiro. É verosímil que tenham ocorrido mais operações como
esta. Ainda de madrugada, o destacamento feminino da 9ª Brigada, liderado pela
Comandante Elvira da Conceição (Virinha) e pela Comissária política Fernanda
Delfino (Nandy), que estava grávida, atacou a cadeia de São Paulo usando um
blindado soviético BRDM2. Depois de um duro combate que se prolongou por horas
com baixas dos dois lados, as tropas atacantes saíram vitoriosas. Como consequência
do assalto, foram libertados os presos “nitistas”, entre eles Pedro Santos, do
Conselho da Revolução e Comissário Político, e Galiano da Silva, do
Comissariado Político das FAPLA. Porém, houve presos ligados à Organização
Comunista de Angola (OCA) que, desconfiados, recusaram-se a sair.
A Rádio Nacional foi tomada,
com o apoio de militares da 9ª brigada, e voltou a transmitir o programa
radiofónico Kudibanguela, alternando músicas com pronunciamentos. O
locutor informou a mudança na rádio, e anunciou que os “camaradas
revolucionários, injustamente acusados de traição e de fraccionismo, foram
libertados por faplas e pelo povo”. Também disse que “um novo processo
revolucionário marxista-leninista se iniciou, que ministros corruptos foram
presos, e que o conluio dos sociais-democratas e maoistas chegou ao fim”. Ao
mesmo tempo, convocou uma manifestação para a frente do Palácio presidencial de
Angola, apelo que, diante da ameaça de tanques cubanos que barravam o acesso ao
palácio, foi mudado para a frente da Rádio Nacional.
“Se não foi golpe, devia ter sido”
“A interpretação que eu faço,
pondo as pedras no puzzle, é que eles acharam que deviam pôr a população na
rua. Fizeram uma grande manifestação”, opina Edgar Valles.
Edgar Valles: "Se não foi golpe, devia ter sido"
Mas terá havido mesmo um
planeamento para uma tentativa de golpe de Estado? “Essa é a grande dúvida”,
considera Edgar Valles. “Eu hoje concluo que se não houve foi uma pena. Porque
pôr as pessoas na rua, sujeitá-las a uma chacina – porque os cubanos foram
impiedosos – sem ter um plano, foi um enorme erro.”
Edgar Valles está convencido
de que os soviéticos terão garantido a Nito que os cubanos se manteriam
neutros. “Havia contactos com a embaixada da União Soviética e os soviéticos
passaram a mensagem de que se as pessoas fossem para a rua, numa grande
manifestação, os cubanos não iriam intervir. E as pessoas vão para a rua numa
grande manifestação, mas o Neto telefona ao Fidel a pedir ajuda, o Fidel diz
que sim, e os cubanos vêm e matam as pessoas na rua. Metralharam mesmo. Depois
foram ao Sambizanga. Havia também angolanos, mas a base das tropas foram os
cubanos.”
Símbolo da importância decisiva
da intervenção cubana é a retomada pelas forças fiéis ao presidente da Rádio
Nacional, transmitida em direto pela antena. E a voz que se houve, em
castelhano, a invadir os estúdios e tomar conta da rádio, expulsando o locutor,
é a do coronel cubano Rafael Moracén Limonta a anunciar que “la emisora va a
ser puesta en manos de los revolucionarios, con Agostinho Neto.”Assim, em
castelhano.
Para Edgar Valles, os cubanos
não estavam em sintonia com os soviéticos. “E o Fidel considerava Neto um
grande aliado. Havia entre os cubanos pessoas que estavam ligadas ao nosso
grupo, mas a maioria deve ter começado a pensar que o grupo era esquerdista,
era a extrema-esquerda e queriam derrubar o Neto. Suponho que foi isso”, diz o
irmão de Sita, que conclui: “A intenção não era derrubar o Neto, era criar uma
nova relação de forças, eu estou convencido disso. Um plano de golpe de Estado
não é uma manifestação de rua.”
Edgar Valles escapou à morte
certa porque regressou a Lisboa em dezembro de 1976. “Eu vim porque se não
matavam-me. Tinha a noção disso. Eu escrevia na Seara Nova, lá
colaborava com o Diário de Luanda e dava aulas na Faculdade de
Direito; e então, achavam que eu era um dos teóricos do ‘nitismo’. E que fazia
os discursos do Nito Alves, o que é mentira, eu não tinha influência nenhuma,
porque eu nem sequer estava no MPLA. Fui de Portugal para lá em fevereiro de
1976. Pedi para entrar no MPLA, mas nunca deram seguimento ao meu pedido. Por
causa do nome, acharam que eu tinha uma grande influência. E quando veio o 27
de Maio e andaram a prender pessoas houve quem perguntasse onde é que eu
estava.”
O fim e a caça às bruxas
Quando a 9ª Brigada, a
principal unidade militar de Luanda, simpática a Nito, se rendeu, por não ter
capacidade para enfrentar os tanques e blindados cubanos, o destino de Sita
Valles estava traçado. Mas sabemos muito pouco sobre o que lhe aconteceu.
Sabemos que fugiu com o companheiro e que ambos foram capturados três semanas depois
na aldeia de Kaleba, porque uma mensagem enviada por eles terá sido
interceptada. Mas há muita controvérsia sobre os destinatários e o conteúdo da
mensagem. O que é certo é que o Jornal de Angola de 19 de
junho anunciava a prisão de ambos. E uma mensagem da embaixada de Portugal para
Lisboa datada de 8 de julho anunciava que ambos tinham sido fuzilados naquela
data. A biógrafa, Leonor Figueiredo, situa o fuzilamento mais tarde: no dia 1
de agosto. A essa altura já tinham ocorrido centenas de fuzilamentos e milhares
de prisões. Um discurso de Agostinho Neto no dia 28 de maio, quando foi
encontrada uma ambulância incendiada que tinha dentro sete corpos de ministros,
militares e pessoas ligadas ao governo, foi à televisão anunciar que
“certamente, não vamos perder muito tempo com julgamentos. Nós vamos ditar uma
sentença.” Com isso, deu rédea solta ao processo de caça às bruxas. As rádios
emitiam spots conclamando a população a denunciar os “fraccionistas” fugidos, o Jornal
de Angola publicava manchetes como “Amarrem-nos aonde forem
encontrados”, ou “Todos os fraccionistas pagarão pelos seus crimes”. A orgia de
sangue durou talvez dois anos e provocou a morte, segundo cálculos da Amnistia
Internacional, de 30 mil pessoas, que tecnicamente se encontram desaparecidas,
porque o Estado angolano não admitiu essas mortes nem forneceu certidões de
óbito e não se sabem onde estão os seus restos mortais.
O silêncio do PCP
Quando começaram a circular os
rumores de que Sita Valles tinha sido fuzilada, houve entre os militantes do
PCP uma enorme consternação e uma incompreensão pelo silêncio do partido diante
do sucedido. “Houve até um plenário da UEC no edifício que hoje é o museu do
Fado, onde funcionava o centro de trabalho de Alfama do partido e tinha o maior
auditório. Aí foi possível falar abertamente, e foi dito com toda a clareza que
independentemente do que se sentisse ou não se sentisse pela Sita Valles e o
que ela representava, o objetivo do partido era preservar as relações com o
MPLA. E portanto publicamente não iria tomar posição nenhuma”, recorda Eugénia
Varela Gomes.
“Depois da morte dela o
silêncio imposto foi brutal. Não se podia sequer mencionar o nome!” afirma
Maria da Graça Marques Pinto. “Todos nós procurávamos saber: o que é que
aconteceu à Sita? E a resposta era que o assunto era tabu. A Zita Seabra, que
mais tarde veio a terreiro falar da Sita, naquela altura não permitia sequer
que se falasse – se alguém mencionasse o tema ela acabava a conversa, dizia que
aquilo não interessava nada. Muita gente nessa altura saiu, bateu as portas da
UEC por causa disso.”
Foi o caso da irmã Fernanda.
“Quando o partido publicou a declaração do Bureau Político do MPLA sobre o 27
de Maio, responsabilizando a Sita por muito do que tinha acontecido, decidi
abandonar o PCP”, recorda. “Era impressionante como é que uma militante cinco
estrelas como ela, a seguir era uma traidora. Sem nenhuma explicação. Os
controleiros só diziam que era um assunto para não ser falado. Pedia-se que os
militantes fossem autómatos, fizessem o que lhes era pedido, sem questionar.
Esse tipo de respostas para mim não servia, e abandonei a militância no PCP”,
explica Fernanda Marques Pinto.
A ruptura de Edgar Valles foi
um episódio à parte. “Eu pertencia à célula de jornalistas, e o controleiro era
um funcionário chamado Pedro Serra. Chamou-me ao hotel Vitória no Verão de 77 e
disse-me que os esquerdistas, nomeadamente o PRP-BR, que tinham um jornal, o
Página 1, estavam a atacar muito o PC dizendo que havia ligação entre o PC
e os acontecimentos do 27 de maio, e que o partido achava que eu não devia
aparecer nas sedes para evitar esses ataques. Pediram-me para ficar durante uns
meses afastado e que depois voltariam a contactar. Eu perguntei se havia alguma
falta de confiança em mim e ele disse que não, que tinham toda a confiança em
mim, que era apenas uma precaução. Nunca mais voltaram a contactar-me, nem eu a
eles. Fiz o corte.” Entretanto, um livro sobre o apartheid da autoria de Edgar
Valles e que fora editado pela Seara Nova e estava impresso e pronto para a
distribuição, foi mandado destruir pelos próprios editores.
Na época, Edgar Valles
trabalhava no semanário Extra, onde era colega de Francisco Vale,
atual dono da editora Relógio D’Água. “Ele, que é trotskista e tem uma formação
muito vasta, demonstrou-me que isto no fundo era uma prática estalinista.
Ajudou-me a desmontar a questão em termos ideológicos. Porque eu não estava a
perceber a reação do PCP. E ele falou comigo, pacientemente, sobre o que é que
tinha acontecido na Revolução Russa e disse-me que aquilo não era novo. Ele foi
muito importante para mim, porque em termos ideológicos ajudou-me a fazer o
corte. Porque a pior coisa que há é a pessoa continuar na área do PC e não
compreender o que se passou.”
Direito à memória
Eugénia Varela Gomes acha
importante que Sita Valles não seja esquecida. “Porque não tenho dúvida nenhuma
de que a Sita estava genuinamente convicta de que, na perspetiva dela, como
revolucionária que se considerava, era necessário correr com aqueles dirigentes.
Até ao fim, ela foi absolutamente convicta do que fez. A Sita nunca foi pessoa
para ficar a ver as coisas passarem sem ter um papel ativo. E teve-o, ao mais
alto nível.”
Este texto é uma contribuição
para que a memória de Sita Valles, fuzilada aos 25 anos, depois de uma vida
política intensa em duas revoluções, seja preservada.
Fontes consultadas:
“Purga em Angola – Nito Alves,
Sita Valles, Zé Van Dunem – o 27 de Maio de 1977”, Dalila Cabrita Mateus e
Álvaro Mateus
“Sita Valles, Revolucionária,
Comunista até à Morte (1951-1977)”, Leonor Figueiredo
“‘Golpe Nito Alves’ e Outros
Momentos da História de Angola Vistos do Kremlin”, José Milhazes
“Angola: A Tentativa de Golpe
de Estado de 27 de Maio de 77 – Informação do Bureau Político do MPLA”, edições
Avante
“Estamos Juntos” – O MPLA e a
Luta Anticolonial (1961-1974). Tese de doutoramento de Marcelo Bittencourt na
Universidade Federal Fluminense
“Memórias de um golpe: o 27 de maio de 1977 em Angola(link is external)(link
is external)”, de Inácio
Luiz Guimarães Marques, Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História, da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do
grau de Mestre.
“O 27 de Maio angolano visto de baixo(link is external)(link is external)”, Lara Pawson, Revista do Instituto Português de Relações Internacionais,
junho de 2007
“Post-Modern
Patrimonialism in Africa: the Genesis and Development of the Angolan Political
System (1961-1987)(link is external)(link is external)”, Nuno Carlos de Fragoso Vidal, dissertação apresentada à Universidade de
Londres para obtenção de grau de doutor, 2002
“Ascensão e queda violenta do Nitismo(link is external)(link is external)”, de Pedro Sousa Ferreira, dossier especial Dias da Independência – “Telegramas de Angola: Verdes anos, a guerra civil, a repressão e os
milhares de retornados(link is external)(link is external)” da Agência Lusa.
1Paulo de
Carvalho, “Evolução e Crescimento do Ensino Superior em Angola”, Universidade
Agostinho Neto (Luanda, Angola) e Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia do ISCTE-IUL
Luís Leiria
Esquerda.net
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