Memorial: Maria Máxima Boavida
Mãe Guerreira (1929 – 1993)
Maria Máxima Boavida nasceu em Benguela aos 10 de Outubro de 1929. É filha mais
velha de Dom Álvaro Manuel Boavida,
descendente do Rei do Reino do Congo – Capital N’Banza Congo (S. António do Zaire)
e de Maria Delfina de Assis Machado,
pertencente a uma das maiores famílias tradicionais de Luanda.
Maria Máxima Boavida teve 14 irmãos (João, Faustina, Álvaro Manuel Boavida Jr – o grande intelectual da
família, Josefa, Pedro, Conceição, Lourdes, Domingas, Antónia, Fernando, José
Miguel, Carlos, Regina e Manuel Laurindo), na sua maioria, falecidos. Estão
vivos quatro irmãos: Josefa Boavida,
Pedro Morgado Boavida, Lourdes Boavida e Carlos Boavida.
Em 1968, a prisão pela P.I.D.E.
(polícia política colonial portuguesa), de Domingos
António Rasgado, seu marido, encontrou-a já com dez filhos e mais dois (Júlio Rasgado e Eugénia Rasgado),
perfazendo um total de 12 filhos.
De um universo de quase cinquenta acusados de actividades clandestinas e
subversivas, apenas Domingos António
Rasgado permaneceu preso e barbaramente torturado. O móbil das prisões foi
“O teu dia chegará”, uma palavra de
ordem que funcionava como código para todos os envolvidos no processo de luta
clandestina contra o colonialismo português.
Tempos depois, como consequência das torturas, apanhou (na cadeia) uma
trombose. Como era hábito da P.I.D.E.
não permitir que os presos morressem nas suas cadeias, foi posto em liberdade.
Já em liberdade, voltou a apanhar a segunda trombose, acabando assim, por
morrer em 1972.
No espaço que vai entre a saída da cadeia até a morte, Domingos António Rasgado, ainda
conseguiu, com Maria Máxima Boavida,
fazer mais duas filhas (Lourdes Rasgado
e Fátima Rasgado), perfazendo um total de 14 filhos internos. Porém, Domingos António Rasgado teve, no calor
da luta, mais três filhos (Cecília
Rasgado, Osvaldo Rasgado e Helder Rasgado). Domingos António Rasgado nasceu
em Benguela, filho de Francisco Rasgado,
natural de Luanda e de Anacleta de
Oliveira Filipe Amado (mista), igualmente luandense, morreu no dia 10 de Março
de 1972 com 45 anos, deixando um total de 17 filhos. Todavia, os anos que
procederam à doença e subsequentemente a morte de Domingos António Rasgado, foram de muitos sacrifícios. Maria Máxima Boavida, entregue a sua
sorte, com a maior parte dos filhos a estudarem, contou apenas com o apoio
incondicional dos filhos mais velhos, nomeadamente Luís Rasgado, Álvaro Rasgado, Aníbal Rasgado e Júlio Rasgado. Foram
tempos muito difíceis. No entanto, é de salientar que a Família Rasgado é a única família
em Benguela, se não mesmo em Angola, que teve no tempo colonial quatro irmãos
no exército português: Luís Rasgado - furriel miliciano desenhador QG; Álvaro Rasgado - furriel miliciano vagmestre (logístico); Aníbal Rasgado - furriel miliciano enfermeiro; Júlio Rasgado - furriel miliciano
comando.
Já com a vida e a família melhor equilibrada e orientada, todos com
formações desejadas, surgiu o 25 de Abril de 1974 que deu origem a
independência de Angola. Com a independência proclamada, unilateralmente pelo MPLA em 11 de Novembro de 1975, dois
filhos foram presos, acusados de crimes de consciência (Júlio Rasgado e Francisco
Rasgado). Um ano depois, aconteceu o 27 de Maio de 1977, resultante da luta
pelo poder no seio do MPLA.
Instalou-se uma grande onda de prisões e mais três filhos, incluindo a própria
mãe Maria Máxima Boavida, foram
presos pela D.I.S.A - polícia
política do MPLA, semelhante a P.I.D.E. colonial portuguesa. Porém,
com muito mais instinto de malvadez e sanguinária.
Maria Máxima Boavida e o filho Jesus
Rasgado estiveram presos apenas algumas horas e de seguida libertos.
Na sequência das prisões, Álvaro
Rasgado e Aníbal Rasgado, sem
defesa, foram barbaramente assassinados pelo poder político angolano instituído
e liderado pelo Dr. António Agostinho
Neto.
Este processo, denominado de 27 de Maio, culminou com um grande
genocídio - a grande mancha da revolução angolana.
Maria Máxima Boavida viveu todo este processo de sofrimento diário e
constante, com muita dor e revolta, mas sem nunca vergar a cabeça, sustentada
por uma alegria e um sorriso permanente no seu rosto.
Durante este período, Maria
Máxima Boavida mereceu o total apoio dos filhos, que se encontravam em
liberdade, nomeadamente, Anacleta
Rasgado, que se assenhoreou da liderança da família e mais tarde, Júlio Rasgado, após a sua saída, juntou-se
também a gestão da família.
Em 1980 o último membro da família (Francisco
Rasgado) é libertado dos calabouços do MPLA.
No entanto, com a vida da família normalizada, quando de repente, em 1990,
surgiu o fim da guerra entre os dois beligerantes (MPLA e UNITA) e a
abolição do regime de Partido Único,
rumo às eleições, em 1992, com a participação de todos os opositores ao MPLA. A fraude eleitoral criada pelo MPLA foi tão gritante que fez instalar,
novamente, um clima de tensão tão medonho que culminou com o recomeço da guerra
fratricida. Anacleta Rasgado, a filha
mais velha, surpreendentemente é presa. Depois de muitos corredores efectuados
foi solta e desgostosamente, decidiu viver inicialmente em Portugal e depois
Londres – Reino Unido, onde está a residir até os dias de hoje.
Maria Máxima Boavida, por tudo que passou e mais esta prisão de sua filha, a
tensão arterial debilitada não resistiu e, em 22 de Agosto de 1993, morreu. Em 1996,
o seu filho Júlio Rasgado foi traiçoeiramente
assassinado, na Maianga – Luanda, por homens de baixa visibilidade.
Maria Máxima Boavida define-se como invulgarmente polida e educada, mas,
determinada e firme. Era uma mulher capaz de ter sentimentos de maior ternura e
compaixão.
Um exemplo de vida! Carinhosa, esperançosa, disparatada, suportando sem
resignação as mortes dos filhos e as doenças que a afectaram, solidária com os
mais desprotegidos e com as suas amigas e amigos e considerando a família o seu
maior tesouro.
Francisco Rasgado / Chico Babalada
Jornal ChelaPress
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